Terra preta

D67_2215

Andando sobre terra preta
Onde o rio Arapiuns encontra o rio Tapajós e, juntos, os dois rios desaguam no rio Amazonas, aqui teve outra grande concentração de população pré-colombiana. Como no encontro do rio Negro com o rio Solimões, aqui, nesse importante ponto geográfico, podemos dizer que havia uma grande cidade. Isso pode ser considerado toda vez que um grande afluente encontra o rio Amazonas, como, por exemplo o rio Xingu. Tendo uma grande concentração de população, devia necessariamente ter uma agricultura bem eficiente e capaz de alimentar os moradores daqueles lugar e os seus numerosos visitantes. Nesta expedição ao rio Arapiuns observei muitos afloramentos de terra preta, demostrando que o lugar era amplamente cultivado.
Sejamos sinceros! O establishment politico e cultural colocou em nossa cabeça que a Amazônia era um lugar deserto com algumas poucas aldeias de índios selvagens lutando pela sobrevivência. Isso não corresponde as evidências, muitas evidências.

D67_2215 – Leonide Principe
Equipment: NIKON D7000 with lens AF-S DX VR Zoom-Nikkor 18-200mm f/3.5-5.6G IF-ED [II] set at 26 mm – Exposition: ISO: 100 – Aperture: 5.6 – Shutter: 1/80 – Program: Shutter Priority – Exp. Comp.: +0.3,
Original digital capture of a real life scene –
Original file size: 4992px x 3280px
Location: Ana community (Santarém – Pará Brazil)
Date: May 27, 2019 – Time: 2:46:38 PM
Collection: Urucurea community – Persons shown: none
Keywords:
communitarian tourism, turismo comunitário, ecoturismo, ecotourism, TURISMO, TOURISM, Santarem, Para, Amazônia, Amazon, Amazonian, Brazil, Brasil, Brazilian, América do Sul, South America, Comunidade Urucureá, Urucurea community, Pará, terra preta arqueológica, ADE, archaeologic dark earth, TPA, herança indígena, indigenous legacy, SUSTENTABILIDADE, sustainability
EN1 Walking on dark earth D67_2215
PT1 Andando sobre terra preta D67_2215
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Voltei onze mil anos ao passado, e já que eu posso fazer isso, também vou me permitir o luxo de sobrevoar uma floresta amazônica que não tem fim.  Após um prolongado vôo, prazeroso, enxergo uma pequena clareira, à beira de um riacho. É uma pequena aldeia de poucas famílias nômades…

A Pré-história

Voltei onze mil anos ao passado, e já que eu posso fazer isso, também vou me permitir o luxo de sobrevoar uma floresta amazônica que não tem fim.  Após um prolongado vôo, prazeroso, enxergo uma pequena clareira, à beira de um riacho. É uma pequena aldeia de poucas famílias nômades que esforça-se na tarefa diária da sobrevivência. Para não distraí-los de suas tarefas diárias, me aproximo no modo invisível e minha nave é completamente silenciosa. 

Fico bem em cima da oca, minha tela mental vasculha todo movimento em volta da clareira. O caçador traz sua caça, o pescador seu pescado, outros vem com frutas silvestres, e todos reúnem-se em volta da fogueira central para preparar o alimento diário. É a festa, todos juntos, tem danças, como todo dia, tem fartura e alegria. Dá vontade de descer no meio deles, mas sei que isso mudaria drasticamente o comportamento. Ao raiar do dia, todos ou quase todos, estão de pé, cada qual para sua tarefas. As crianças já estão gritando e mergulhando no igarapé. Levo minha atenção para os que limpam o terreiro, esse é foco da minha viagem. Juntam os restos de comida, tudo vai para a fogueira e, depois, é carregado para fazer mais um pequeno monte no meio de tantos outros, que se acumulam na beira da aldeia. Nas redondezas daquele pequeno mundo, acumulam-se os ossos e os resto de comida queimados na fogueira, o carvão e a cinza, cascas e caroços, urina e fezes. 

Há um ciclo completo entre o receber e o dar, perfeitamente equilibrado e em constante evolução. Posso ver o resultado nos próximos milhares de anos.

Vou testando essa nova tecnologia de dilatar e contrair o tempo, o acompanho, sempre invisível e silencioso, acelerando os anos.

Quando os recursos da área escasseiam, o líder do grupo decide mudar a aldeia. Assim acontece, por várias gerações, e eles seguem nas trilhas ancestrais, acumulando a memória dos antigos, no puro nomadismo. 

O cronometro de bordo já transitou 6 mil anos, os descendentes daquele mesmo grupo humano, após vários retornos sobre o mesmo sítio, são mais numerosos e eles vem para celebrar a abundância. É a abundância dos ancestrais que coletaram e selecionaram caroços da pupunheira e do açaizeiro, do uxi, do piquiazeiro e da castanheira e de tantas outras frutas, que são agora uma floresta riquíssima que cresce viçosa sobre o solo escuro, rico de matéria orgânica, é um ecossistema que inclui uma vasta biodiversidade, vegetal e animal. Eles já sabem conscientemente como acumular os resíduos orgânicos na beira externa da aldeia. Os campos de cultivo crescem e proporcionalmente à população. É o início de um novo ciclo histórico: a aldeia percebe que o lugar pode garantir seu sustento permanente e nasce a agricultura. Mais espécies são domesticadas e, então, eles vem aprimorando aquele solo formidável, que faz as plantas prosperarem. 

A profundidade da terra preta mede de um até dois metros, há muitos cacos de cerâmica, colónias especializadas de bactérias e fungos que se orientam no fluxo energético colaborativo.

Em nossos dias, chamamos isso de Terra Preta Arqueológica (TPA), uma sofisticada tecnologia agrícola que os cientistas pelejam para entender. Ouso dizer, porque dividem tudo em pedaços inanimados, que dissolvem o sentido de uma totalidade harmônica.

As aldeias crescem ocupam mais território, agora eles tem mandioca, açai, buriti, castanhas, piquiá, tucumã… Eles tem até um complexo sistema de rituais, o que hoje chamamos de cultura. Eles tem um conhecimento universitário avançado, com um corpo docente capaz de consultar a ancestralidade. Isso não é uma metáfora: o pajé recebe instruções reais dos antepassados, contando sobre um conhecimento cuja carga espiritual o faz direto, simples e altamente confiável.

Do outro lado, a história oficial da academia define a era pré-colombiana como pré-história e diz que a paisagem milenar da ocupação humana da região, não teve agricultura e também não teve cultura, apenas um povo selvagem fragmentado em pequenas aldeias, lutando pela sobrevivência. Assim foi, afirmam os sábios da academia, até a chegada dos europeus, quando a história oficial do continente começou. E assim é, ainda hoje, eles concluem: como são as aldeias indígenas hoje, assim sempre foram nas épocas passadas.

A história

Um grande engano aconteceu na Amazônia.

Em minha corrida no tempo, estou chegando no tempo da invasão, «a trilha das lágrimas».

Os primeiros conquistadores não tinham o menor sentido de diplomacia, eram verdadeiros bárbaros, sem escrúpulos, gananciosos do ouro, do qual ouviam relatar uma incrível abundância. Mais letais que suas armas de fogo, eles carregavam o pior dos inimigos, invisível e implacável: vírus e bactérias que, nos corpos sem defesa, não perdoavam. Os estrangeiros pareciam mais com poderosos bruxos do mal, que castigavam os nativos pela magia. Esse aspecto da conquista sempre foi ignorado ou colocado em segundo plano, pois realmente os povos indígenas eram um empecilho. Além de criar resistência, eles não eram idôneos ao trabalho escravo que os dominadores exigiam. Assim que quando os cientistas chegaram o massacre, já estava consumido e poucos perceberam o tamanho real do genocídio, e, por conveniência, calaram.

Mas é preciso falar! Depois de vários séculos de silêncio, mesmo que monumentos de gloria tenham sido erguidos e eventos comemorativos sejam celebrados todo ano, é preciso falar que aqueles heróis da conquista, eram na realidade criminais de guerra, aventureiros gananciosos que deixavam destruição por onde passavam. Eles ainda deixaram como herança até os nossos dias, o desprezo dos povos nativos. 

Assim, uma civilização que se assume como tal, não pode deixar de examinar seu atos presentes e passados e determinar os ajustes necessários, sob pena de sua extinção. A nossa civilização precisa reconhecer o desastre consumado e reconhecer o valor dos povos antigos que aqui existiram por milhares de anos. Eles eram tão civilizados quanto a Europa e, em certos aspectos, até mais. Se, em vez de aniquilar, os primeiros conquistadores tivessem buscado a integração e o aproveitamento daqueles conhecimentos, hoje não viveríamos uma relação tão esquizofrênica com a natureza… e o risco de extinções em massa não estaria tão próximo.

“Os antropólogos do século XX cometeram o erro de entrar na Amazônia vendo apenas pequenas tribos e dizendo, ‘Bem, isso é tudo que existe’. O problema é que, até lá, muitas populações indígenas já havia sido dizimadas pelo que foi essencialmente um holocausto do contato europeu. É por isso que os primeiros europeus na Amazônia descreveram tais assentamentos maciços e que, mais tarde, ninguém conseguiu encontrar”. 

“[…] A imagem de pequenos e efêmeros grupos indígenas com impactos mínimos sobre as terras que ocupavam, é ainda amplamente mantida por muitos cientistas naturais, ambientalistas, políticos e até pelo público em geral. Isso não é mais sustentável.”

Michael Heckenberger, antropólogo

Podemos, então, dizer que há provas irrefutáveis de uma civilização amazônica tão avançada quanto os Incas, os Maias, os Astecas. Porém para dissolver todo tipo de dúvida, vou continuar minha viagem temporal.

O solo “construído”

Minha nave do tempo quer se afastar logo daquela época sombria, mas parece que já não posso voltar sem o risco de permanecer por lá. É tentador, mas sei que tenho algo a fazer nas trilhas da nossa época atormentada. Me consola a intuição de que a verdade não pode mais ser escondida.

Vejo a solução desse grande dilema bem à nossa frente, aquilo que os antepassados europeus não conseguiram ver. Aquela cegueira gananciosa que os levava a procurar um Eldorado que estava a plena luz do dia e não enxergavam. O ouro das cidades perdidas, o ouro dos ‘conquistadores’ sempre esteve à vista. Não havia monumentais cidades de pedra, mas centros ritualísticos em enormes ocas de até 1.000 m2, construídas com folhas de palmeira e varas de madeira, uma arquitetura ainda hoje invejável. Havia estrada conectando aldeias, com até 20 metros de largura, perfeitamente limpas, astronomicamente alinhadas, entre uma cidade e outra. Havia jardins florestais com terras extremamente férteis, terras feitas por seus habitantes a partir de um solo extremamente pobre. A floresta inteira era um jardim primorosamente cultivado. Havia castanhais imensos. No Acre, sempre mais aparecem construções de terra até então escondidas pela floresta. «Gigantescas estruturas cuja precisão geométrica e consistência de medidas indicam planejamento meticuloso” (Denise Schaan). Isso tudo já está comprovado: a Amazônia é uma floresta cultural. 

O brasileiro vive o Brasil e não o descobre.

Mário de Andrade

Em 1720, o guarda de fronteira Antônio Pires de Campos descreveu uma paisagem densamente habitada na cabeceira do rio Tapajós, pouco a Oeste do Xingu:

“Esses povos existem em número tão enorme que não é possível contar seus povoados ou aldeias, muitas vezes em um dia de marcha passa-se por 10 a 12 aldeias, e em cada uma há de 10 a 30 habitações, e dentre essas casas há algumas que medem 30 ou 40 passos de largura… até mesmo suas ruas, que eles fazem bem retas e largas, são mantidas tão limpas que não se encontra nenhuma folha caída…”

Relato do guarda de fronteira Antonio Pires dos Campos, 1720

O relato de Antônio Pires de Campos foi considerado pelos historiadores como um exagero, se não uma alucinação. O establishment cultural e científico nunca quis admitir a possibilidade de civilizações avançadas na Amazônia. Porém, as evidências vem aparecendo sempre mais. Em sítios arqueológicos recentemente pesquisados, foi descoberto que ali teve uma população numerosa, um sistema econômico altamente produtivo e amplas modificações da paisagem, e provavelmente, uma organização social de tipo urbano.

É sabido que o solo natural da floresta, das argilas amarelas até as areia sedimentadas, lavado pelas chuvas tropicais, perde rapidamente seus nutrientes. Porém, o solo “construído” pelos antigos povos da Amazônia é ainda um mistério: a Terra Preta Arqueológica é um solo vivo, que se regenera e se expande. Sua fertilidade permanece até hoje, depois de milhares de anos. Muitos tentam reconstruí-lo como Terra Preta Nova e o autor deste artigo é um deles. É um jeito fascinante, simples e genial de lidar com a terra.

A magia da terra preta

Somos um povo bem diferente de como os antigos eram: nós pensamos muito, analisamos, queremos provas que mostrem a coerência do nosso raciocínio. Não tem nada de errado nisso, é apenas um método de pesquisa, o que é errado é pensar que só assim chega-se ao conhecimento. 

Os povos antigos agiam diferente e portanto chegaram a realizar um conhecimento extremamente avançado da realidade onde viviam. 

A minha nave temporal se encolhe, muito menor que um grão de areia e mergulho na terra preta, e descubro os elementos que a compõem: tem carvão, muito carvão, e cinza, tem restos de comida queimada, tem cacos de cerâmica, tem colônias de bactérias que a fazem viva mesmo depois de milhares de anos, e tem muita matéria orgânica, entre outras coisas. 

Está na hora de voltar, três letras se destacam na minha tela mental: TPN, terra preta nova. 

Assim minha jornada retorna ao ponto de origem, e vejo que a terra preta não está por nada esquecida. Nos Estados Unidos, pequenas usinas móveis rebocadas por camiões chegam nas fazendas e carbonizam os resíduos da lavoura para serem re-incorporados na terra. 

Então, a terra preta gera lucro, por isso Universidades dos Estados Unidos e da Holanda, entre outros desenvolvem pesquisas sobre o assunto.

Se a Terra Preta se tornasse uma prática comum seria a atividade com maior captura de carbono, pois o carbono estocado na terra é onde ele precisa estar, onde permanece estável. Em quanto os povos antigos estocavam carbono na terra, nossa civilização estoca no ar, numa evidente prática de auto-lesionismo. Mas claro, a terra preta pode reverter essa doideira.

Querido Mário de Andrade a este ponto eu diria: o brasileiro vive o Brasil e está na hora de descobri-lo, pois tem muita gente por ai que já o descobriu.

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Depósito de terra preta
Sítio de Terra Preta Arqueológica próximo à vila Canoas, no município de Presidente Figueiredo. Sítios de terra preta são bastante conhecidos na Amazônia. Num primeiro momento pensou-se que fossem depósitos naturais de matéria orgânica, porém a presença constante de cacos de cerâmica associou tais manchas de terra preta à antigos aldeamentos indígenas. No sítio da foto, a terra preta está sendo extraída de trator. Eu deixo para o leitor as considerações sobre a modalidade de uso de um sítio arqueológico.

X20_4708 – Leonide Principe
Equipment: COOLPIX P7800 with lens set at 6 mm – Exposition: ISO: 100 – Aperture: 2 – Shutter: 1/125 – Program: Shutter Priority – Exp. Comp.: -0.3,
Original digital capture of a real life scene –
Original file size: 4032px x 3024px
Location: Canoas (Presidente Figueiredo – Amazonas Brazil)
Date: September 7, 2015 – Time: 5:04:50 PM
Collection: Archaeologic Dark Earth – Persons shown: children
Keywords:
herança indígena, indigenous legacy, SUSTENTABILIDADE, sustainability, terra preta arqueológica, ADE, archaeologic dark earth, TPA, crianças, children, GENTE, PEOPLE, Canoas, Presidente Figueiredo, Amazonas, Amazônia, Amazon, Amazonian, Brazil, Brasil, Brazilian, América do Sul, South America
EN2 Dark Earth deposit X20_4708
PT2 Depositos de terra preta X20_4708
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Versão 0.1 – Texto não revisado, ainda


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