com a Amazônia

Em uma pequena cidade no sul da Itália, o sonho de uma criança solitária se concentrava nas vastas florestas de castanheiros que cresciam ao lado de sua casa. Em sua imaginação, a criança se tornou um explorador insaciável e aquelas florestas eram como a selvagem Amazônia. Nos dias de verão, durante as férias escolares, a criança encontrava uma maneira de eludir a supervisão dos adultos, cruzava o pequeno rio, tão grande na época e se aventurava naquela vegetação tão densa e cheia de desafios.
Com o passar do tempo, aquela fantasia se desvaneceu, mergulhando nas profundezas do inconsciente, onde uma notícia, um programa de televisão ou um livro poderia despertá-la momentaneamente. Mas o sonho continua sendo apenas um sonho até o momento do primeiro contato real com a Amazônia.
Clandestino a bordo
Velejando de Fortaleza para Cayenne, Guiana francesa, com vento em popa e correnteza a favor, estava me aproximando da foz do rio Amazonas na mais agradável navegação. O veleiro de 55 pés andava até 200 milhas por dia, sem esforço. Claudio Principe, meu irmão, me acompanhava como tripulante.
Durante esse cruzeiro, em 1988, uma precaução que tomei como capitão do barco foi a de manter uma distância da costa de pelo menos 100 milhas, em proximidade da foz do Grande Rio.
Mesmo com esse distanciamento o gigante não deixou de mostrar as evidências do seu tamanho: a água do Atlântico mudou de cor, tornando-se barrenta e turva, apareceram troncos e enormes ilhas de capim flutuando entre as ondas cumpridas do oceano. Afinal, neste planeta, um quinto de toda a água doce que chega aos mares passa por aqui.
Durante dois dias, a presença daquele gigante ficou registrada no diário de bordo. Também ficou gravada nos pensamentos fascinados; eles esvoaçavam sobre aquela mítica floresta que se alastrava à bombordo. Nas longas hora de guarda ao leme, a reflexão tentava penetrar a geografia misteriosa da sonhada Amazônia; a imaginação corria sobre a água espessa… povos de culturas ancestrais, exploradores e pesquisadores embrenhados na selva, o oxigênio mais puro, a fartura de água, formas de vida inacreditáveis…
Na minha visão imaginária fantasiei aquela terra misteriosa, já tinha entrado na foz do rio Amazonas, e subindo mais e mais à montante me encontrei voando sobre o Mar Dulce. A fantasia me brindou asas, num voo rasante e caudaloso. Subia a correnteza, com reverência, admirando o leito majestoso, acompanhado pelo cortejo ininterrupto dos afluentes até os pés da Cordilheira.
Um passado muito remoto descortinou-se, outrora o grande rio corria do lado oposto, ele desaguava no Pacifico, até que, de repente, duas placas tectônicas se chocaram, sobrepondo-se. Os Andes surgiram abruptamente, criando uma barreira para as águas que iniciaram a descer na direção oposta, formando um grande lago, e finalmente, drenando para o Atlântico. Assim, naquela mesma imponente barreira de montanhas, minha primeira expedição amazônica pegou o caminho de volta ao alísio oceânico e ao ar saturado de sal, que me despertou do sonho.
Continuei minha navegação marítima, querendo conhecer mais daquele ser geográfico que havia vislumbrado, e, espontaneamente surgiu a promessa de voltar. O voto adquiriu consistência e se escondeu a bordo, assim como se esconde um passageiro clandestino.
O oceano deixou a cor do barro para trás e recobrou completamente o azul-marinho que lhe pertence, deixando desvanecer, aos poucos, aquela premonição. Dias e mais dias de navegação até o esperado destino, Caribe! paraíso dos velejadores, celebração dos deuses do mar. De ilha em ilha, novos amigos, nova histórias, lugares admirados.
O paradisíaco Caribe dura até a estação dos furacões, quando os marinheiros ou se mandam para outro lugar ou sobem o barco no seco. Nesse exato momento, com o barco no seco, lá do fundo do porão se revelou o passageiro clandestino que havia embarcado na foz do Amazonas e me convidou num novo voo, de Barbados até Manaus. Já legalizado, o ex-clandestino me deixou sentar do lado da janela, onde eu fiquei colado, observando aquele manto verde que cobriria meus ombros os próximos trinta anos de vida, e mais ainda espero. Meu amigo clandestino, agora com passaporte legalizado, me levou a um compromisso marcado com uma pesquisadora do INPA, Dra. Vera M.F. Da Silva, coordenadora do Laboratório de Mamíferos Aquáticos, criando assim as base de uma permanência que enraizou meus pés na floresta. Daquele encontro nasceu a primeira reportagem sobre o «Encantado», o boto-vermelhoBoto-vermelho – (Inia geoffrensis). Cetáceos que vivem em rios e lagos da Amazônia. Seu comportamento é semelhante ao dos golfinhos. Uma das lendas mais comuns que se referem ao animal é que ele se transforma em um jovem bem vestido e bonito que vai a festas ao longo do rio, onde seduz as meninas. Antes do amanhecer, ele foge e volta ao rio ou lago onde se transforma novamente em boto. Em sua expedição, Jacques Cousteau deu-lhe a denominação “rosa”. Na tradição amazônica, porém, é conhecido como boto “vermelho”. Costuma vaguear sozinho ou aos pares e aproxima-se frequentemente do homem, mesmo quando pesca. O outro golfinho da Amazônia é o boto-tucuxi (Sotalia fluviatilis), tem o dorso mais escuro, é menor e mais tímido. More da Amazônia.

P34_809
Velejando de Fortaleza para Cayenne, Guiana francesa, com vento em popa e correnteza a favor, estava me aproximando da foz do rio Amazonas na mais agradável navegação. O veleiro de 55 pés andava até 200 milhas por dia, sem esforço.
P34_809 – Leonide Principe
Camera Nikon FM with Nikkor lens 35mm f2.8 – Diapositive Film Ektachrome 100 – Scanner: Nikon SUPER COOLSCAN 5000 ED
Digitised from a positive on film –
Original file size: 5286px x 3574px
Location Taken: in navigation (From Fortaleza – Brazil to Cayenne – French Guyana)
Date Taken: 1988
Collection: Memories – Persons shown: Leonide Principe
Keywords:
Leonide Principe, GENTE, PEOPLE, veleiro, sailing boat, navegação marítima, maritime navigation, TRANSPORTE, TRANSPORTATION, mar, sea, águas, waterscapes
EN Sailing to Caribbean P34_809
PT Velejando para o Caribe P34_809
© – Leonide Principe, all right reserved
https://leonideprincipe.photos
Versão 0.2, primeira revisão
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